Leitura de Miguel Carneiro

A celebração encantada na poética do sagrado de João Vanderlei de Moraes Filho*




A poesia de João Vanderlei de Moraes Filho se reveste de mistérios, condensados neste novo poemário: "Uno -Tríade para encantamentos", onde o sagrado emerge sublime na voz poética do bardo cachoeiarano para ganhar o mundo. Numa plenitude de exercício poético, raro em sua geração. Ecoa o canto dos rios, o vento com sonoridade de magia e estupor a brotar compassadamente num Tempo onde a natureza vem pedindo clemência para a sanha desenfreada do lucro fácil deste capitalismo em derrocada.

João de Moraes se mostra pleno na profusão cabalística dos sete, onde cada poema anuncia o desenrolar desta Tríade, traçada até os vinte um poemas, que compõem a presente obra. O poeta de Cachoeira nos mostra que o destino nos prega surpresa, mudando o curso da história:
"Toda viagem guarda um tanto / do porto, um pouco de nós,/ algumas doses de sustos / e uma pena solitária / riscando o horizonte." É a poesia baiana alçando vôos, trilhando o caminho do lírico, debruçada no caleidoscópio do Tempo, abrindo porteiras, alcançando o leitor ávido por uma linguagem desconvencional, sem se deter nos canones tradicionais do fazer poético, libertária, sem amarras: "Um verbo aciona/ o lançamento das palavras / e elas vão, e elas vêm".

"Uno- Tríade para encatamentos", postula uma poética afro em seus meandros, avança em desalinho, em cerimônias de Barracão, tendo a África, como matriz cultural, num universo presente do reconcâvo baiano, como:"Primeira Pessoa", dedicada à Ilamhi Omin'inlê: " A primeira vez que o mar / esticou meus olhos para longe / da margem esquerda de meu destino / floresceu um Messias no jardim de meus quintais."

Nenhum poema é gratuito, desenfeixado da Tríade que João teceu. Há uma unidade na obra, e ao mesmo tempo um desenredo, onde cada poema faz parte de uma unidade. Em "Chuva Alheia", descortina a paisagem do mar e seu horizonte: "o mar estica o horizonte desesperado, / invade cada lágrima dos olhos de Deus." A presença do mar é uma constante na obra, em odes e apelos, em completa comunhão com o universo de Iemanjá: "Noite de Almirante", "Quando escapam destinos / à beira do farol, a noite entorpece o sol."É uma poesia para iniciados, para ogãns e ekedes, para o povo negro desta terra. Assim, vimos em "Pedra da Baleia": "A labareda clara da lua incendeia / a solidão da noite, e nada parece / iluminar os olhos do dia. Apenas / uma estrela amarelada apaga.". O amor e a paixão encontra na poesia de João de Moraes um porto: " Cumplicidade" , "Nosso amor / não cabe na monotonia / do dia de amanhã."

Desde o seu primeiro livro "Pedra Retorcida", que João Vanderlei de Moraes Filho vem trilhando uma poesia de culto, de oração. E "Uno- Tríade para encantamentos" é a celebração do sagrado, onde os poemas são verdadeiras orações. Estamos diante de um poeta que maneja com maestria os versos, e faz de sua poesia instrumento para acordar heréticos. 

*Miguel Carneiro, em tempos de FESTA PARA SÃO ROQUE.